A denúncia do Ministério Público sobre a atuação do Comando Vermelho nos complexos do Alemão e da Penha expôs uma ferida antiga do Brasil: a ausência do Estado nos lugares onde mais se precisa dele. O que foi revelado não é apenas o retrato de uma facção criminosa — é o retrato de um país que abandonou seus filhos nas mãos do terror.
As investigações mostram que o tráfico montou uma verdadeira estrutura de poder paralelo, com “generais”, “juízes”, cobradores de propina e soldados armados. Um sistema hierárquico, frio e impiedoso, que tortura, executa e dita regras sobre quem pode viver, morrer ou até dançar em um baile funk. É o retrato de um Estado substituído pela violência.
Diante disso, a operação policial foi necessária e legítima. Nenhuma sociedade civilizada pode tolerar tamanha barbárie. Mas a questão central é outra: e depois da operação, o que fica?
Se o Estado entra com fuzil e sai no dia seguinte, o crime volta, reorganiza-se e domina novamente. É como enxugar gelo com sangue.
A verdadeira guerra que o Brasil precisa vencer é a guerra pela presença permanente do Estado — não só com armas, mas com educação, saúde, moradia, cultura e emprego.
A prova está nos números: as escolas municipais localizadas em áreas dominadas pelo crime são as mais procuradas. Isso mostra que o povo quer oportunidades, quer dignidade, quer futuro.
O jovem que tem acesso à escola, ao esporte e à cultura dificilmente vai trocar a vida pela arma. Mas quando o poder público vira as costas, o tráfico oferece o que o Estado negou: um prato de comida, um celular, um senso de pertencimento — ainda que à custa da própria vida.
É preciso inverter essa lógica.
Não se combate o crime só com tiros. Combate-se o crime com política pública, com justiça social e com coragem moral.
A ocupação tem que ser do coração das pessoas, não apenas dos morros e vielas.
Enquanto o Estado continuar ausente, as facções continuarão presentes — e a paz continuará sendo apenas uma esperança distante.
✍️ Por Marlos Ferreira
Blog Marlos Kan — Política, sociedade e verdade sem maquiagem.